Quando a gente fala de feminismo, eu acho que na cabeça de muita gente aparece aquela frase da Beyoncé: "Feminist - the person who believes in the social, political, and economic equality of the sexes." O que, vamos parar pra analisar, é:
- Extremamente cissexista. Porque usa como determinante pra diferenciar, o sexo. E eu já falei aqui em outro post que usar 'sexo' é extremamente problemático, porque você acaba se apegando a binaridade dos gêneros e exclui um monte de outros gêneros - que, caso você não saiba, existem. Mas, tá. Se você for radfem, provavelmente não vai ter achado problema nenhum em usar essa terminologia, e deve estar rindo de mim agora. Mas eu, que não sou, vou continuar dizendo: É gênero, não sexo.
- Alimenta a ideia de que existe homem feministo. Tá. A gente vai falar sobre isso mais adiante no texto, mas só pra dar uma base pra vocês, não é toda vertente do feminismo que aceita macho.
Eu, por exemplo, tenho horror aos autoproclamados feministos. Mas como já disse, a gente vai falar sobre isso mais adiante.
Agora eu quero que vocês entendam que, ao dizer que feminista é uma pessoa, a gente tá regredindo uns 50 anos e apagando todas as vertentes do feminismo que vêm tentando ocupar espaço e chamar atenção desde que o movimento começou. Então, vamos corrigir essa frase: feminista liberal é uma pessoa que acredita na igualdade dos gêneros.
Então, depois de ter dado um nó na cabeça de muita gente, vamos começar esse texto da melhor forma que eu encontrei pra começá-lo.
O que são vertentes?
Vertentes são "ramificações" do feminismo que são iguais porque, de fato, lutam por mulheres. Mas diferenciam-se em suas teorias, na prática, e nos sujeitos que aceitam em sua causa e para quem direcionam essas causas.
Por exemplo, a gente tem o feminismo liberal, ou libfem. Que vocês devem conhecer, porque é o feminismo da cultura da pop, da Beyoncé, da Emma Watson, do HeForShe. Que acredita que existe homem feminista, que abraça homens em sua causa, e que lutam por homens, mulheres, não-binários. Que foi o início de todo o movimento -- mulheres brancas que resolveram ter voz e lutaram por nossos direitos, como mulheres.
O que, em tese, é muito bonitinho, né? Mulheres e homens unidos numa causa para igualdade dos gêneros, empoderamento, #heforshe.
Me apropriando de uma frase que ouvi minha Professora de História falar uma vez, e fazendo as alterações necessárias, queria dizer: "Todas as mulheres são iguais. Mas tem algumas mulheres que são mais iguais que as outras."
Eu quero que vocês entendam que uma mulher que é branca, hétero, que tem uma condição financeira bacana, cisgênero, e que não é portadora de nenhuma deficiência, sofre um machismo muito diferente de uma mulher negra, de uma mulher lésbica, das trans, das portadores de deficiência. A opressão ainda é real, sim. Mulher sofre porque é mulher, ainda recebe menos que os homens, ainda ocupa menos cargos políticos que os homens, ainda morre porque é mulher. Mas mulher negra sofre porque é mulher, e porque é negra. Mulher negra não é vista pelo padrão eurocentrista como um rostinho que vende, que deve ser aproveitado como marketing. Mulher negra é minoria duas vezes mais que mulher branca.
E o feminismo liberal acredita que essas mulheres deveriam ser tratadas da mesma forma, porque se baseia naquela ideia de que todos devem se tratados de forma igual, porque, afinal, todos são iguais.
O libfem procura "igualdade".
Eu quero que vocês tirem da cabeça que ver de perspectivas diferentes dois grupos diferentes não é segregar. É contemplar a bagagem histórica e cultural de opressão que eles carregam, reconhecer e validar as suas lutas. Quando você separa o feminismo negro de outros feminismos, você não está dizendo que mulheres negras não deviam ter contato com mulheres brancas, ou qualquer motivo racista que passa pela sua cabeça. A criação de vertentes e o reconhecimento de lutas diferentes dentro da própria causa, o feminismo, é uma forma de validar a opressão de um grupo pelo ou de forma diferente do outro.
Lembra o que eu disse? Mulher negra sofre duas vezes.
Recortando um trecho do blog diariosdeumafeminista: "não se trata de segregar, mas sim de contemplar a TODAS as mulheres. Mulheres negras são socializadas de modo diferente das brancas, pois não só o machismo as condicionam a serem oprimidas, mas também o racismo (e em geral o sistema de classe, pois quem ocupa as posições mais desprivilegiadas na sociedade são as pessoas negras, sobretudo mulheres). Logo, mulheres negras têm suas especificidades por causa da opressão racial. A mesma lógica foi-se usada para mulheres héteros, lésbicas, bissexuais... pobres e ricas..."
Agora que vocês já entenderam o propósito das vertentes, ou assim espero, eu quero apresentar pra vocês as três vertentes mais fortes do feminismo no brasil, retirando trechos do huffpostbrasil e do diariosdeumafeminista.
FEMINISMO LIBERAL ou LIBFEM: "O feminismo liberal prega que as mulheres podem vencer a desigualdade das leis e dos costumes gradativamente, combatendo situações injustas pela via institucional e conquistando cada vez mais representatividade política e econômica por meio das ações individuais." É, como eu já disse, o feminismo da Beyoncé, do HeForShe, que "visa incorporar os homens à luta das mulheres."
FEMINISMO INTERSECCIONAL ou INTERSEC: O feminismo que busca "conciliar as demandas de gênero com as de outras minorias." É o "feminismo que reconhece que as mulheres não estão todas dentro do mesmo sistema de opressão, pois este NÃO É UM SÓ." Xs intersec gostam de chamar esse feminismo de feminismo de recorte, porque ele tenta costurar as várias lutas dentro do próprio feminismo. E, se você já estudou isso em matemática, sabe que interseção é a operação pela qual se obtém o conjunto formado pelos elementos comuns a dois outros conjuntos. Resumidamente, é o feminismo que une várias lutas e reconhece que há certos grupos de mulheres que devem ser tratadas de forma diferenciada, o que nem sempre é fácil. Esse feminismo aceita homens trans em sua luta.
FEMINISMO RADICAL ou RADFEM: Falarei aqui o que eu li sobre o rad, porque os outros sites gostam de falar bonito e eu to aqui querendo fazer vocês entenderem, não complicar mais a cabeça de ninguém. Feminismo radical acredita que gênero é uma construção social criada pelo patriarcado para oprimir pessoas com vaginas. E é daí que vem a sigla "TERF" (Trans-Exclusionary Radical Feminists). Se, segundo elas, pessoas com vaginas são oprimidas por pessoas com pênis, então mulheres trans não entram no feminismo porque, de novo segundo elas, nasceram com pênis. As feministas radicais não aceitam homens no seu feminismo.
E isso vai nos guiar para a segunda coisa que eu quero falar.
Existe homem feminista?
Se fizerem essa pergunta pra mim, eu vou dizer na lata que não acredito que exista homem feminista. Mas, se a gente entrar numa discussão mais profunda, eu vou pontuar: no meu feminismo, homem não tem voz. E por que isso?
Eu já li muita explicação do porquê existe, ou não existe, homem feminista. E quando querem explicar o porquê de não existir, as rads vem com o discurso de que todo homem é um machista natural, outros dizem que eles estariam lutando contra os direitos deles, etc. Então deixa eu desconstruir esse pensamento aqui, e dizer o porquê de eu não querer homem com voz no feminismo.
Não, não é porque eu veja todo homem como machista em potencial. Ninguém nasce machista. Ninguém nasce misógino. Mas a gente nasce numa sociedade machista e misógina, que nos ensina mesmo que inconscientemente que é direito do homem destratar a mulher, abusar da mulher, fazer dela sua boneca. Então é óbvio que uma criança que nasce ouvindo que toda mulher é objeto sexual verá mulheres sempre como objeto sexual. Assim como mulheres são ensinadas, desde pequenas, que devem ser submissas à seus homens, aceitaram relacionamentos abusivos, acatarem ao desejo de seus parceiros. Tá, esse é um ponto. O segundo é que: homem já tem voz pra caralho. Homem adora se meter em assunto que não lhe diz respeito. E quando a gente deixa que eles falem, eles querem falar pela gente. Macho não sofre pela misoginia, pelo feminicídio, ele não recebe menos que uma mulher, ele não é destratado porque é macho, ele não morre porque é macho. Portanto, macho não sabe o que é ser mulher. E se ele não sabe, por que ele vai querer falar de qualquer forma? Toda vez que a gente dá voz a um homem pra falar sobre o problema de uma mulher, essa mulher é silenciada. E aí a causa se torna hipócrita, porque invisibiliza a mulher e dá destaque ao homem.
Então isso quer dizer que os homens não podem marchar ao lado das mulheres a favor dos direitos delas? Claro que podem. Eu não sou negra, mas eu apoio o movimento negro e a luta deles. Eu não sei o que é ser negra numa sociedade racista, eu não posso falar por eles numa discussão, mas eu posso apoiar, eu posso me juntar a eles e posso tentar entender ao máximo no que, e se, eles precisam de mim na luta deles.
E ainda tem um terceiro ponto, que eu vou usar pra desconstruir os argumentos de pessoas que dizem que existe, sim, homem feminista. "Ah, mas porque o Primeiro Ministro do Canadá distribuiu igualitariamente os ministérios de seu governo." Parabéns, Primeiro Ministro do Canadá, você não fez mais que sua obrigação. É tão estranho homem tratar mulher de forma igual que a gente bate palma pr'aqueles que fazem isso??? Eu tô cansada de ver namorado sendo aplaudido por tratar a namorada de forma descente. É assim tão bizarro ver um relacionamento hétero saudável?
Dessa forma, o meu feminismo não aceita homem cis. E também não aceita ainda homem trans.
Eu digo ainda, porque ninguém me convenceu do contrário.
Porque, vejam, eu penso assim, Homem trans é homem. Eu acho que feminismo é luta de mulher. Se eu digo que homem trans pode lutar no feminismo, eu não to invalidando a identidade de gênero deles? Não sei, um dia ainda paro pra conversar com alguém sobre isso.
Equidade x Igualdade
"Luna, eu vi você criticar todos as vertentes que você me falou até agora, qual é então o seu feminismo?" Olha, então. É complicado. Porque, como vocês mesmo viram, eu discordo de muita coisa nessas vertentes.
Eu posso dizer que me vi feminista desde que tinha 9 anos de idade. Daquelas feministas de plástico mesmo, que fazem competição feminina, veem outras mulheres como potenciais inimigas, bem podre mesmo. Mas desde lá eu já me considerava feminista, e acho que isso foi antes mesmo de entender o que era o termo feminista. Na verdade, foi difícil entender que todas as mulheres do mundo não se consideravam feministas. Porque, afinal, se você tem o que você tem, é por causa dessa luta. Mas,hoje em dia eu entendo que a sociedade cria pessoas machistas, independente do gênero, e que desde o berço a mulher é ensinada a ser submissa e que é difícil de se encontrar fora desse papel de vítima, principalmente quando você não se reconhece como uma. Mas sigamos com isso.
Quando eu descobri as palavras sororidade e empoderamento, eu me vi no libfem. Porque, na teoria, a causa deles é muito bonitinha. É tudo rosa. Todo mundo se amando, lutando pela causa, homens feministos, gays empoderados, mulheres sendo respeitadas. O que a gente sabe que na vida real não existe, embora eu realmente quisesse isso.
É aí que entra o termo equidade. Foi ano passado que eu ouvi sobre ele a primeira vez. Vieram, na minha escola, um grupo de feministas negras falar, justamente, sobre feminismo. E uma das primeiras frases que elas disseram (depoisdo Fora Temer), foi "o feminismo não luta por igualdade, e sim por equidade." Vamos descobrir o que significa essa palavrinha?
Segundo o Dicionário Online de Português, equidade é a "disposição para reconhecer a imparcialidade do direito de cada indivíduo." Em outras palavras, é a lei do feminicídio, da Maria da Penha. Equidade, na verdade, é a busca pela igualdade. Mas não da forma que as pessoas veem. Aqui um exemplozinho desenhado e de utilidade pública:

Cês entendem então que não precisa de uma lei João da Penha quando homens não são violentados por serem homens, mas mulheres são? Gente. Olha os gráficos. A cada 11 minutos uma mulher é estuprada. O Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para se nascer mulher. Mulheres morrem por serem mulheres. As pessoas se acham no direito de passar a mão por baixo da saia de uma mulher porque era curta, porque ela tava bêbada.
O homem tá lá, todo bonito, recebendo o salário dele, enquanto uma mulher recebe menos por ocupar o mesmo cargo? A gente precisa aumentar o salário da mulher, não aumentar o dos dois porque, nesse contexto, o homem já tem. O que falta é a mulher ter também. Cês entendem?
Agora que falei sobre equidade X igualdade, eu acho que já dá pra descartar a possibilidade de eu ser feminista liberal, certo? E quando eu digo o porquê de eu não ser libfem, eu não quero em momento nenhum diminuir ou dizer que esse feminismo é errado. Não existe forma errada de ser feminista. Eu estou apenas explicando porque não me enquadro nessa vertente.
Então, explicado isso, vamos falar do radfem. Eu convivo com muita rad, e no meu discurso, as pessoas veem muitos traços desse feminismo. E eu queria muito me chamar de radfem, mas eu não consigo. Porque se tem uma coisa que não me desce, e o feminismo radical quer porque quer que eu engula, é a exclusão de mulheres trans. Mulheres trans são mulheres, oprimidas, e merecem ser acolhidas pelo feminismo. Outra coisa que não me desce é essas brincadeiras que, quem é ou conhece radfem, sabe que rola aos montes, com binariedade. Quando as radfems descobriram o gênero fluído foi o inferno; agora deram pra fazer piada com o E. E eu tento, juro que tento, engolir isso de que gênero é construção social, e até concordo um pouco, mas eu não entendo porquê cargas d'água, se não tem um determinante que especifique seu gênero, a gente não pode deixar a pessoa ser o que ela quiser e sentir ser em PAZ.
E através disso, a gente conclui que eu sou intersec? Seria. Se aceitasse homem no meu feminismo. Mas eu já fiz meu textão sobre isso lá em cima, e tá muito claro pra mim que homem cis não tem voz nessa causa. E, portanto, temos um problema. Eu não me identifico em nenhuma dessas 3 vertentes. Isso quer dizer que não sou feminista? Por favor, né. Eu só ainda não achei uma vertente em que eu me encaixe, mas vou pesquisar sobre outras vertentes etc e tal, porque essa causa é importante pra caramba e a gente precisa ter cada vez mais conhecimento sobre ela.
Eu tenho quase certeza que tô deixando alguma coisa que queria muito falar de lado, mas queria deixar aqui uns 4 links de textos que me ajudaram a construir essa postagem, e que valem muito a pena de serem lidos com mais cuidado.
Leia esse texto, se você ainda estiver com dúvida do porquê a gente precisa ser feminista.
Leia esse, se quiser saber mais sobre feminismo interseccional.
Leia ESSE. Fala sobre empoderamento. Por favor.
Leia esse, se quiser saber mais sobre as vertentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário