quinta-feira, 30 de abril de 2015

Crônica (9) - Luna.

Gente, essa crônica tá enorme O.O


* * *
Quando eles se casaram, disseram que ela era interesseira. Oportunista. Gananciosa. A moça aproveitara-se da ingenuidade do pobre homem para garantir o futuro que sua mãe e irmãs nunca tiveram. Apontavam para ela, uma moça pobre, e torciam o nariz, sussurrando que aquela era a vagabunda que iria se casar com o filho do doutor. Ora, ela não era nem tão bonita assim.
Quando foram para a lua de mel, voltaram duas semanas antes do previsto. Tinham uns que alegavam que o pobre homem não aguentara sua esposa, sozinhos naquela ilha paradisíaca. Ilha paradisíaca? Mentira! Outros já disseram que ela era ambiciosa demais e que queria mais do que um mísero hotel cinco estrelas. Ela apenas sorriu quando, numa conversa entre a filha (encalhadaencalhadaencalhada) do padeiro e a mulher do 411, ouvira seu nome. Mas que depravada! Aposto que gosta dessa fama toda. E que fama!



Todos paravam para olhá-la. É, ela até que não era tão feia assim. Até tinha olhos bonitos, . Bons modos na mesa, diziam àqueles que convidavam-na para a hora do chá, e uma risada melodiosa. A moça aprendera a tocar piano (boatos de que o sogro não aceitou que o filho se casasse até que ela soubesse todas as sinfonias de Beethoven), cozinhava como um chef, mas ó, aquela interesseira. 
Aposto que o marido está na capital toda semana só pra não precisar dormir com ela. Deve ser por isso que é tão magrinha, coitada! Deve ser virgem. Ou pior: estéril. Rá, rá, rá, riam graciosamente as dondocas, fofocando durante a hora do chá.
Mas quando a moça ficou grávida, afirmaram: ela fora vista deitando-se com o filho o açougueiro. Mas, oh, o nome da família não poderia ficar manchado por adultério. O pobre homem tivera que ser visto inúmeras vezes com sua mulher, forçando sorrisos que até davam pra convencer, enquanto compravam jóias, sapatos e roupas para seu bebê. Seu. Disseram até que ela vinha ameaçando contar que o filho não era dele se o homem não lhe trouxesse um par de brincos toda noite, ora veja! O joalheiro estava amando aquilo tudo, com certeza. Devia ser por isso que, após o jantar que tivera na casa dos pombinhos, alegara que eles não podiam estar mais apaixonados. Báh, quanta mentira! Estava claro para todos daquela cidade que a mulher era golpista e devia ter descoberto algum segredo da família para que o pobre homem se casasse com ela.
Um segredo grande, imagino. Porque mesmo depois de perder o bebê, o pobrezinho não pôde se livrar dela. Mas, oh, coitado do filho do doutor. Será que ele estava bem com aquele choque? A moça até que estava com uma barriga bonita, rechonchuda, um pouquinho mais bonita até do que a da mulher do prefeito, esperando sua oitava cria.
E, ah, coitadinha, a moça chorava. Lágrimas de crocodilo, sem dúvidas. Fingia chorar quando ia a padaria, voltava para casa com lágrimas nos olhos e, diziam os que sentavam ao seu lado durante a missa, fungava baixinho, pedindo para que Ele estivesse cuidando de seu filho. Espero que aquele bastardo tenha ido para as mãos do coisa ruim! Se não nasceu, certamente não era pra ser. Os boatos de que havia realmente adultério no meio aumentaram.
Agora, era possível ouvir o barulho do choro da moça durante a noite. Da noite para o dia, a vizinha da casa ao lado passou a frequentar a casa dos pombinhos. Dizia estar ajudando a pobrezinha, que parecia muito abalada, e seu marido, que estava desesperado, com medo de que a mulher morresse de depressão. Ah, quanto drama! Quando ela foi mandada para a capital, precisando de uns dias de repouso, a encenação foi linda. Até pareceu que o marido estava triste por deixá-la ir e preocupado por não poder ir com ela. Mas, pft, naquela cidade ninguém era burro, não cairiam numa ceninha como aquela.
Mas olha, a mulher até voltara mais feliz. Radiante. Iluminada. Exalando felicidade. (Cer te za de que conhecera algum surfista nas praias que, diziam, frequentava com aqueles biquínis obscenos). A vizinha correra, roxa de saudades, até a melhor amiga, mostrando o anel de noivado que acabara de ganhar. A moça e ela entraram juntas, animadas, em casa, fofocando sobre o noivado. Acredita que ela nem sequer olhou na cara do marido? Um absurdo!
A noite, no entanto, a vizinha afirmara ter ouvido barulhos suspeitos vindo do quarto do casal. Ela acabara dormindo ali, na casa com eles, pois os pais estavam viajando e não era seguro uma jovem comprometida dormindo sozinha em casa. Todos na cidade começaram a especular o valor que ela recebera para espalhar barbaridades como aquela. Onde já se viu, aquela sujetinha, causando qualquer reação no doutor?! Sem chances.
Um mês depois, ela apareceu grávida.
A barriga estava tão grande que as pessoas não tinha dúvida: a moça se envolvera com algum cara da capital e terminara grávida. Pobre homem, traído duas vezes. Dessa vez, até a vizinha disse ter ouvido os gritos na casa, durante uma briga entre os dois pombinhos, onde a mulher saíra marchando no carro novo que haviam comprado, mandando que o motorista a levasse de volta para a casa dos pais.
Quando o bebê nasceu, ela voltou para casa. Eram gêmeos! O marido, disseram os mais informados, havia se arrependido das coisas que dissera e implorara de joelhos para que a moça voltasse para casa. Já fragilizada com o parto perigoso, ela acabara aceitando. Mas claro que ela aceitaria, sua família não tinha condições para sustentar duas novas crianças.
Durante o tempo em que cuidaram dos dois homezinhos, os boatos só aumentaram. A moça se deitara com o médico dos filhos, o marido pulara a cerca com a prima vinda da capital, os filhos nem da moça eram, ela havia fingido uma gravidez, o homem na verdade estava querendo encobrir um relacionamento homoafetivo com seu melhor amigo. E aqueles dois ainda tinham coragem de andar pelo centro como dois apaixonados, escondendo sorrisos, trocando carícias, beijos e toques discretos. Boa tentativa, vocês. Uma pena que ninguém acredita, rá.
Então quando o marido foi diagnosticado, souberam logo de cara: a desgraçada havia posto veneno em sua comida para que, com a saída dos dois filhos de casa, ela pudesse ficar com a herança só para ela. Um dos filhos estava na África, afinal, e o outro grafitava muros por ai, como se fosse moda. A moça não pareceu abatida uma vez, acreditem. Os olhos secos, o rosto impecável e um sorriso no rosto. Ela andava com o marido pelas ruas, tendo que segurá-lo, e ninguém diria que ele estava morrendo se não fosse pela força que tinha que fazer ao segurar o braço dela.
Diziam que ela forçava ele a agir como se estivesse saudável, com medo que alguém descobrisse que ela era a culpada pelo adoecimento dele. Mas eles já haviam, querida.
Então, quando o marido morreu, todos já sabiam. A mulher apareceria no enterro sem uma lágrima, com a maquiagem impecável e não diria nada. Claro que não. Ela estava se despedindo do homem, não do dinheiro dele. E quando ela ficou sussurrando coisas para o corpo morto, repousando no caixão, aqueles que sabiam fazer linguagem labial alegavam: ela dizia que estava rindo e que estava alegre por ele ter morrido, finalmente. Dá pra acreditar? Aquela mulher é louca, louca!
Mas quando ela morreu, não houve boato nenhum. Nenhuma especulação, teoria ou ideia. A criada que encontrara a patroa usando a camisola e o terno do patrão enquanto dormia nem imaginou que ela estivesse morta quando subiu para acordá-la. Foram saber um dia depois, quando a melhor amiga, sua vizinha, voltara de viagem e batera em sua porta. A criada dera um grito, dizendo que havia encontrado-a exatamente assim no dia anterior. O cheiro que diziam ser do porco comprado no início da semana era, na verdade, o de um corpo sem vida apodrecendo. Seu corpo.
A cidade estava silenciosa em seu enterro. Alguns se atreveram a chegar perto, e se assustaram com as bolsas profundas que o rosto sem maquiagem mostrava agora. Deve ter bebido champanhe demais, não duvido. As crianças gritavam quando, chegando perto, encontravam o corpo da mulher coberto por cicatrizes, voltando assustados para o colo de suas mães. Disseram que ela deixava-se abusar por mais de um homem nas últimas semanas. As mulheres arregalavam os olhos quando viam a magreza de sua pele. Acredita que a dondoca não se conformava com o corpo que tinha? Pois é. Vomitava. Tudo porque queria ter coxas mais finas. E quando a vizinha chegou lá, falando sobre seus olhos secos de tanto chorar, a pele marcada de tanto arranhar, as costelas salientes pela falta de comida e a dor que ela, a moça, vinha sentindo desde que perdera seu marido, a filha do padeiro (se casara no ano anterior, quem diria) torceu o nariz, inclinando-se para sussurrar para a mulher do 411: A pos to que esse escândalo é pra abafar a prisão do caçula dos gêmeos, duvida?

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xx

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